quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O ciclista, uma máquina muito particular
Treino e características fisiológicas únicas


Duas correntes antagónicas medem forças dentro do ciclismo: uma, mais romântica, defende que um ciclista só atingirá o topo se nascer com determinadas características genéticas; outra, mais pragmática, insiste que o treino e a força anímica são os principais factores que regem a carreira de um atleta. Mas há pontos em que ambas as correntes convergem e um deles é a importância da recuperação entre etapas.
Há três características fisiológicas importantes para um ciclista: a capacidade de consumo máximo de oxigénio em momentos de grande esforço, o VO2max (um bom ciclista consome 70 mililitros de oxigénio/peso/minuto), a potência em watts que é capaz de gerar (400 watts pelos menos) e a eficácia no pedalar, ou seja, gastar a menor quantidade possível de energia. As características genéticas herdadas podem privilegiar determinados ciclistas, mas há exemplos que mostram a importância do treino.Laurent Jalabert começou por ser um “sprinter”, tipo de ciclista cujas fibras musculares permitem grandes velocidades, mas que não resistem à fadiga muscular, ou seja, ao esforço contínuo e prolongado, algo que os trepadores e os contra-relogistas abordam com menores dificuldades. Mas, com muito trabalho, Jalabert surpreendeu, ao ganhar a Volta à Espanha e ao sagrar-se campeão do mundo em contra-relógio em 1996. Os títulos de rei da montanha ganhos no “Tour” dos dois últimos anos nem sequer constituíram surpresa. Se fossem apenas as potencialidades genéticas a condicionar a carreira, Lance Armstrong nunca teria passado de um ciclista especializado em clássicas e rápido no último quarto das etapas, ele que este ano venceu o “Tour” pela quarta vez consecutiva.Chris Carmichael, treinador de Armstrong, vai mais longe, ao apontar a prática corrente de técnicas básicas como factor muito importante na preparação para as provas. Num artigo publicado pelo sítio do Clube do Ciclista (Brasil), Carmichael apresenta um programa mensal de treino de Armstrong, depois de ter gasto várias semanas a construir o seu sistema aeróbico. "Mesmo que se melhore a potência, se a técnica for imperfeita, gastam-se energias e perdem-se qualidades. Treinar a execução de um movimento ineficiente em alta intensidade serve apenas para ampliar a sua ineficiência. Atletas de todos os níveis de experiência precisam de dedicar tempo a trabalhar em habilidades e técnicas básicas e fundamentais. Mesmo o melhor e mais experiente profissional necessita de praticar constantemente habilidades fundamentais porque mesmo o sucesso em divisões de elite baseia-se no domínio das mais básicas técnicas de cada desporto".O treinador afirma ainda que Armstrong gasta imenso tempo a subir colinas a grandes potências, desenvolvendo a sua resistência, mas que o apuramento da técnica é realizado a intensidades mais baixas.Para o sucesso durante as provas, os momentos de descanso são igualmente importantes. Para além da habitual massagem (primordial para recuperar das microlesões musculares contraídas durante uma etapa e para estimular a remoção de toxinas), cada ciclista segue uma dieta rigorosa para repor líquidos e energias, com o consumo de bebidas energéticas (pelo menos meio litro por cada quilo de peso perdido) e a ingestão de alimentos ricos em hidratos de carbono, como o pão integral, os cereais, as massas e o leite. Depois de uma visita ao médico da equipa, seguem-se nove horas de sono. Um processo que permite aos ciclistas acordar na manhã seguinte com forças suficientes para enfrentar mais um desafio. Na manhã seguinte e não alguns dias depois, como acontece no futebol, no basquetebol, no andebol e na generalidade dos desportos.

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